sábado, julho 24, 2010

Solitário

Não ficaria alí por muito mais tempo. A hora da fuga estava próxima. Após dez anos preso naquele maldito asteróide, chegava a hora da liberdade. Agora, jantava tranquilamente. Amanhã pela manhã, a fuga. Embora sua nave não tivesse alcance muito grande, aproximadamente uns 600 mil quilômetros, ele contaria com algo capaz de ampliar este alcance diversas vezes. Pacientemente ele esperava a aproximação do grande e maciço planeta. O poderoso campo gravitacional de Júpiter lhe daria o impulso necessário para atingir, se não a Terra, pelo menos as colônias marcianas ou uma das diversas estações espaciais solares.

No entanto, caso não chegasse a este ponto com velocidade suficiente, ficaria preso em órbita do gigante gasoso, ou no pior caso, seria tragado pelo planeta, de onde não se conhecia retorno.

Seu asteróide não era absolutamente desconfortável. Ali tinha tudo do bom e do melhor. Conforto, espaço, baixa gravidade, boa alimentação, roupas caras e outros artigos que eventualmente uma ou outra nave de contrabandistas lhe traziam. Contudo, faltava-lhe a liberdade. Apesar de todos os confortos, aquele asteróide  era um esconderijo, onde Wilson escondia-se das perseguições políticas que sofria na República dos Mundos Exteriores, que só tinha república no nome, pois constituia em uma das mais legítimas ditaduras. Quando a perseguição tornou-se insustentável, Wilson exilou-se neste asteróide. A princípio não queria abandonar sua pátria e eventualmente conseguia fornecer algum apoio à Resistência. Afinal, a órbita excêntrica de seu asteróide tornava difícil a sua localização, dificultando as buscas da Guarda Republicanal. Mas após dez anos o espaço fora quase totalmente esquadrinhado. Localizar Wilson seria apenas uma questão de tempo, e ele não poderia ficar esperando.

Edgar era um de seus fornecedores. Conhecido como Ed Mercado, fornecia todo tipo de traquitanas tecnológicas para Wilson, que fora engenheiro antes de ser fugitivo. Graças a Ed, construira sua confortável fortaleza. Wilson em troca fornecia serviços como reparo de equipamentos, principalmente aqueles "importados" de Marte, aos quais Ed dava a sua garantia pessoal, que muitos consideravam melhor e mais completa do que a garantia de fábrica.

Um dia, Ed não apareceu com seus suprimentos. A princípio, achou que fosse um mero atraso. Mas depois de 10 dias, Wilson começou a ficar preocupado. Teriam prendido Ed? Não estariam neste exato momento tentando obter dele a localização de seu asteróide? Wilson sabia que mesmo as pessoas mais fieis e determinadas poderiam contar todos os segredos caso fossem devidamente torturadas. Wilson não poderia mais perder tempo.

Foi quando surgiu a idéia de usar Júpiter. Wilson sabia que a aproximação máxima ocorreria dali a 3 dias. Ainda possua suprimentos suficientes para permanecer ali mais uns 2 anos, ou para viajar por 2 anos. Então tomou a decisão.

A hora se aproximava agora. Todos os suprimentos já se encontravam na pequena nave. Sabia que sua manobra era arriscada, mas o risco maior era continuar onde estava. Por isso, precisava fazer tudo certo. Precisava interceptar Júpiter no momento certo e com a maior aproximação possível, para que pudesse obter  alta velocidade. Isso era importante, pois assim impossibilitaria qualquer tentativa de abordagem da Guarda Republicana. Isso significava que ao fim da viagem, teria que usar a tênue atmosfera de Marte para perder velocidade. Não poderia errar o alvo, ou se tornaria um cometa continuamente em órbita do Sol.

Havia várias semanas que Júpiter tomava a maior parte do céu. O espetáculo era maravilhoso, mas sabia que isso o colocava perigosamente perto do inimigo. Certo dia passou a apenas 500 mil quilômetros de Ganimedes, Podia ver com facilidade as grandes cúpulas da Cidade Ganimedes. Wilson teve o cuidado de apagar todas a luzes que pudessem ser vistas de fora e manter um silêncio de rádio absoluto. Contava que seu asteróide não chamasse mais atenção do que os milhares de outros asteróides que todos os dias se aproximavam de Júpiter.

Felizmente, na hora do lançamento Ganimedes encontrava-se do outro lado do planeta. Wilson sabia que teria somente uma chance. Seu lançamento precisava acontecer com uma precisão de segundos, ou erraria o alvo ao fim da jornada. Os motores iônicos foram acionados ao mesmo tempo que a lançadeira eletromagnética foi acionada, garantindo uma forte aceleração que imobilizou Wilson por vários minutos. Então os motores foram desligados levando a pequena nave a cair velozmente em direção ao planeta. Wilson teve que esperar quase 10 horas antes que estivesse a apenas a 1000 km da superfície gasosa. Neste momento, os motores foram novamente acionados. Quando finalmente foram desligados, a pequena nave de Wilson atingira mais de 500 mil km/h, velocidade que ainda aumentaria muito durante a sua viagem em direção ao Sol.

Quando a Guarda Republicana finalmente detectou a nave de Wilson, esta encontrava-se definitivamente fora de alcance. Mesmo que tentassem perseguí-lo, estaria confortavelmente dentro do território da República dos Planetas Terrestres muito tempo antes que pudesse ser alcançado.

Estava livre afinal. Mas mais do que nunca, encontrava-se solitário.

A Ilha

Por causa da tempestade da noite passada, a praia está atulhada de detritos. As ondas ainda batem com força nos rochedos, provocando um som ensurdecedor. Este é o meu quinto dia nesta maldita ilha, onde fiz um pouso de emergência com o meu jato FA18. Meu rádio não funciona direito e só tenho combustível para uns 15 minutos de vôo. O GPS ainda funciona, mas o localizador pifou junto com o rádio. Ontem acabou o meu estojo com ração de emergência e hoje o meu desjejum foi de caranguejos com coco. Felizmente o isqueiro ainda funciona, então não precisei comer caranguejo cru. Mas por via das dúvidas, estou mantendo o fogo aceso. Descobri que jogar algas marinhas no fogo faz bastante fumaça, o que talvez ajude uma eventual missão de resgate a me localizar. Apesar dos danos, o avião ainda está em condições de vôo, mas para onde eu iria com combustível para 15 minutos? De acordo com o GPS, minhas coordenadas são 10º 12´ 30´´ N e 109º 16´37´´ W. Estou entre nada e coisa nenhuma. A praia é longa, talvez o bastante para o A1 decolar, mas nunca tentei decolar com um jato em uma pista de areia.

A ilha é mais uma cratera, provavelmente algum vulcão extinto. Um pequeno contorno de areia com água dentro. Ao caminhar pela praia, encontrei um mastro de bandeira quebrado, um marco de concreto feito pelo governo francês e os restos de uma estação meteorológica automática, o que significa que às vezes alguém aparece por aqui. De acordo com o obelisco, o nome da ilha é Clipperton. Acho que não existe uma única ilha em que alguem não tenha pisado. Mas isso não melhora muito a minha situação.

Este é o décimo dia. Neste tempo, minha única companhia tem sido os albatrozes que fazem ninho aqui. Chove todo dia. Até agora, nenhuma missão de resgate. Não vieram nem mesmo consertar a estação metereorológia, que eu imagino estar abandonada há muito tempo.

Eu me vi pelo espelho retrovisor. Estou parecendo um animal, barbudo e cabeludo. Se eu não fizer algo a respeito, logo a loucura irá tomar conta de mim. Comecei a pensar em um plano maluco, para não dizer suicida. E se eu levantar vôo e subir até uns 20 mil pés? Talvez eu apareça em alguma tela de radar o tempo suficiente para ser localizado. Quando o combustível acabar, eu ejeto e espero o resgate dentro do bote salva-vidas. Eu não tenho muito tempo para decidir, pois logo as baterias não terão mais energia suficiente para dar partida na turbina. Talvez já nao tenha.

Este é o 12º dia e são 6 horas da manhã. Escolhi este horário porque o ar está mais frio e a decolagem pode ser mais fácil. Ontem eu limpei o melhor possível a praia. Não seria muito bom se um pedaço de palha de palmeira fosse tragado pelas turbinas. A maré acabou de baixar, o que é bom, porque isso deixa a areia mais compacta, facilitando a decolagem. A pressão do pneu da triquilha parece baixa, mas acho que não vai atrapalhar muito, pois eu posso aliviar o peso do nariz com o manche. Consegui dar partida nas turbina e estou apenas esperando a temperatura chegar ao ponto certo para tentar a decolagem. Estou escrevendo isso para o caso de meu plano não dar certo. Me desejem sorte.

...

Os radares do porta aviões Abraham Lincoln detectaram ás 6:12 PM a aproximação de uma aeronave FA18, logo identificada como pertencente ao Corpo de Fuzileiros Navais. A aeronave efetuou um pouso de emergência pois encontrava-se com pouco combustível. O piloto informou às autoridades que havia efetuado dias antes um pouso de emergência na Ilha de Clipperton, a uns 20km do local onde o porta-aviões realizava manobras há 12 dias...